...Esperando uma reação de espanto ou contrariedade ao título acima, tento explicar: acho, sim, que família deve ser careta, neste mundo tantas vezes fascinante e tantas vezes cruel. Dizendo isso não falo em rigidez, que os deusesnos livrem dela. Nem em pais sacrificiais, que nos encherão de culpa e impedirão que a gente cresça e floresça. Não penso em frieza e omissão, que nos farão órfãos desde sempre, nem em controle doentio - que o destino não nos reserve esse mal dos males. Nem de longe aceito moralismo e preconceito, mesmo (ou sobretudo) disfarçado de religião, qualquer que seja ela, pois isso seria a diversão maior do demônio.
...Falo em carinho, não castração. Penso em cuidados, não suspeira. Imagino presença e escuta, camaradagem e delicadeza, sobretudo senso de proteção. Não revirar gavetas, esvaziar bolsos, ler e-mails, escutar no telefone, indignidades legítimas em casos extremos, de drogas ou outras desgraças, mas que em situação normal combinam com velhos internatos, não com família amorosa. Falo em respeito com a criança ou adolescente, porque são pessoas, em entendimento entre pai e mãe - também depois de uma separação, pois naturalmente pessoas dignas preservam a elegância e não querem se vingar ou continuar controlando o outro através dos filhos.
...Interesse não é fiscalizar ou intrometer-se, bater ou insultar, mas acompanhar, observar, dialogar, saber. [...]
...Não entendo a maior parte das coisas solitárias e tristes que vicejam onde deveria haver acolhimento, alguma segurança e paz, na família. Talvez tenhamos perdido o bom senso. Não escutamos a voz arcaica que nos faria atender as crias indefesas - e não me digam que crianças de 11 anos ou adolescentes de 15 [...] dispensam pai e mãe. Também não me digam que não têm tempo para a família porque trabalham de mais para sustentá-la. Andamos aflitos e confusos por teorias insensatas, trabalhando além do necessário, mas dizemos que é para dar melhor nivel de vida aos meninos. Com essa desculpa não os preparamos para este mundo difícil. Se acham que filho é tormento e chateação, mais uma carga do que uma felicidade, não deviam ter tido família. Pois quem tem filho é, sim, gravemente responsável. Petarnidade é função para a qual não há férias, 13º, aposentadoria. Não é cargo para um fiscal tirano nem para um amiguinho a mais: é pra ser pai, é pra ser mãe.
...É preciso ser amorosamente atento, amorosamente envolvido, amorosamente interessado. Difícil, muito difícil, pois os tempos trabalham contra isso. [...]
...Por tudo isso e muito mais, à família moderninha, com filhos nas mãos de uma gatinha idiotizada e um gatão irresponsável, eu prefiro a família dita careta: em que existe alguma ordem, responsabilidade, autoridade, mas também carinho e compreensão, bom humor, sentimento de pertença, nunca sujeição.
...É bom começar a tentar, ou parar de brincar de casinha: a vida é dura e os meninos não pediram para nascer.
Veja, São Paulo, 14 fev. 2007. (Fragmento.)
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LáahRodrigues
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